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Burocracia trava crescimento de pequenas empresas inovadoras

No Brasil, empreender fica ainda mais difícil quando chove. Os sócios do Voopter, site que compara passagens aéreas, aprenderam isso da pior maneira. Em 2013, quando a companhia tentava obter o CNPJ, uma enchente alagou a sede da Junta Comercial do Estado do Rio (Jecerja), no Centro. A papelada da startup acabou destruída pela inundação, e o cadastro demorou sete meses para ficar pronto.

— Imagine o que é alugar escritório e contratar gente e não poder operar porque não tem CNPJ… Por mais que a gente tenha tido má sorte, é inacreditável que isso aconteça no século XXI — disse Pettersom Paiva, de 41 anos, que espera atingir faturamento de R$ 5 milhões no fim do ano.

Os obstáculos nos quais a Voopter esbarrou são representativos de uma contradição brasileira: o país que tem a quarta maior taxa de empreendedorismo do mundo aparece na 123ª posição em um ranking de qualidade de ambiente de negócios. Segundo estudo inédito do Santander, essa condição é incongruente com uma economia que precisa desesperadamente gerar empregos e voltar a crescer.

O levantamento estima que um aumento de 50% na quantidade de pequenas e médias empresas em um período de cinco anos poderia gerar cinco milhões de postos de trabalho, entre diretos e indiretos, contribuindo para a redução da taxa de desemprego em 4,7 pontos percentuais.

Mais impactante, porém, seria concentrar esforços nas empresas de alto crescimento como a Voopter, as chamadas scale-ups: dobrar seu número, dos 31 mil atuais, geraria quatro milhões de empregos entre diretos e indiretos, calcula o economista-chefe do banco, Maurício Molan.

— O problema é que o Brasil ainda tem um empreendedorismo que não é inovador. O empreendedorismo sobe quando a população não acha onde trabalhar. Os empreendedores têm a percepção de que não estão criando produtos inovadores. Só que o mundo está mudando, ficando menos intensivo em capital. Existe uma oportunidade para que esse crescimento aconteça — afirmou Molan.

Segundo Molan, em 2014 (último dado disponível) havia 31,2 mil empresas de alto crescimento no Brasil, cerca de 1,3% do total de empresas que possuem ao menos um empregado assalariado. Apesar de poucas, tais empresas são muito mais relevantes na contribuição para o emprego total no país (12,7%) e para a massa de rendimentos (11%).

Para o economista, a agenda de reformas para promover esse empreendedorismo inovador passa pela redução da burocracia, simplificação das leis tributárias, redução da insegurança jurídica e melhoria da educação.

O governo diz estar concentrando esforços nisso. O ministério da Fazenda está colaborando com o Banco Mundial em um programa de reformas microeconômicas, segundo Mark Dutz, economista da instituição internacional.

— Estamos discutindo medidas específicas, como a redução do tempo para abertura e fechamento de empresas, a revisão da lei de recuperação judicial, a facilitação do comércio exterior e a simplificação tributária — contou.

De acordo com Dutz, o estudo “Doing Business” do Banco Mundial mostra forte correlação entre a posição no ranking e o desempenho das MPEs. Mas o Brasil figura mal nos rankings. Entre 190 países, ocupa a 123ª posição no “Doing Business”, atrás de México (47ª) e Ruanda (56ª).

No critério de tempo para abrir um negócio, é o 175º colocado, com demora superior a 101 dias em São Paulo e 45 dias no Rio. Este mês, a prefeitura paulista implementou um programa para reduzir o tempo para até uma semana, mas isso ainda não aparece na pesquisa. Na Nova Zelândia, obter um CNPJ demora 12 horas.

— As pessoas sempre falam na necessidade de grandes reformas. Mas os empreendedores querem antes algo mais simples: estabilidade de regras e uma quantidade delas que seja possível de lidar. Tem empreendedor que brinca que a alíquota pode ser de 100%, desde que não mude — lembrou Juliano Seabra, responsável pela Endeavor Brasil.

João Pedro Faro, sócio da Cammada, que conecta internautas a donos de impressoras 3D, descobriu logo de cara esses desafios.

— Não temos um escritório, mas para abrir uma empresa em determinada atividade era preciso declarar um endereço e ele devia ser comercial. Só descobrimos isso depois de dois meses de processo de abertura de CNPJ. Por sorte, eu tinha comprado uma sala comercial para investimento. Foi ela que usamos no cadastro. Os outros sócios sequer sabem onde fica a sala (todos trabalham de home office). Ela é usada basicamente para receber correspondências — admitiu.

Já a We Do Logos foi “punida” por ter um modelo de negócios inovador, que cobrou um preço alto já nos primeiros dias de empresa: R$ 80 mil.

— Nós somos um marketplace de designers. Recebemos o dinheiro dos clientes antes, mas não sabemos quem vai executar o serviço porque há um leilão. Até chegarmos a um modelo tributário plausível, passamos por cinco tributaristas em todo Brasil. Isso levou seis meses — explicou o co-fundador Gustavo Mota.

Segundo ele, um critério arbitrário fez com que a carga tributária dobrasse.

— Nós nos considerávamos uma empresa de tecnologia, mas o Fisco nos via como uma firma de intermediação de negócios. A primeira atividade está no Simples, mas a segunda não. Pagávamos 8% de imposto na nota, e depois passamos a pagar 16,33%. Tivemos que aumentar os preços, de uma base de R$ 200 para R$ 290 — lamentou. — Além disso, também aumentou o encargo sobre nossa folha, o que reduziu minha capacidade de contratação. Hoje são 20 funcionários, mas teríamos pelo menos 20% mais se isso não tivesse ocorrido.

O Sebrae Nacional está investindo R$ 200 milhões na universalização da nota fiscal eletrônica junto à Receita. Segundo Carlos Viana, do BNDES, o banco elevou de R$ 90 milhões para R$ 300 milhões o teto de faturamento da categoria média empresa, que tem acesso às melhores condições de crédito.

Em junho, o BNDES também vai lançar um site que permitirá à MPE solicitar acesso ao crédito diretamente ao banco. Há pouco, a BNDESPar lançou um fundo de crédito de até R$ 80 milhões em MPEs inovadoras.

— O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) vem sendo implementado em ondas, e a ideia é que as obrigações acessórias de vários tributos nas esferas estadual e federal, dentro de uma só plataforma, leve pelo menos à diminuição no número de papel para apresentar ao fisco — contou Jaime Andrade, da PwC.
 

 

 

Revista PEGN

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